Apertadinho, entre as crianças e um velho garoto-propaganda escandinavo

Coluna de opinião, pela Consciência Negra, sábado, 19 de novembro, por Luiz Cotta

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Neste domingo, 20 de novembro, o Brasil celebra o dia da Consciência Negra. Pelo menos, deveria celebrar. Apertadinha ali entre as crianças e um feriado especialmente europeizado, nossa rica negritude precisa competir com um bocado de barulho para fazer-se ouvida, num dia reservado a ela. Desnecessário dizer, infelizmente, que não se trata de coincidência.

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Num país de maioria negra como o nosso, com a história de débito que temos para com esta população, seria justo, pelo menos, um mês inteiro dedicado a ela. O projeto de colonização, contudo, é muito profundo e muito perverso. No nosso final de ano ensolarado, úmido, por vezes chuvoso e invariavelmente quente como cataplana, nos habituamos a ver neve nas decorações das casas e lojas. Cada vez mais cedo, o natal dos filmes estadunidenses invade nossas semanas de Consciência Negra e reforça a violência dos que insistem numa consciência humana, exatamente no dia 20 de novembro.

Nem acidente, nem coincidência, este é outro reflexo de um racismo estrutural amplamente espalhado, cotidianamente normalizado e firme, muito firme. Para entender, basta pensar no quanto é difícil suplantar uma data como o dia das mães ou mesmo do dia das crianças. Quem passa tanto tempo planejando ações para um Dia dos Namorados facilmente encavala uma Black Friday sobre o dia da Consciência Negra. Pouquíssimas são as lojas online que destacam produtores negros, como esse ano parece ter se esquecido o Mercado Livre – que já destacou iniciativas de lojistas afro-brasileiros.

O projeto, quando não é de embranquecimento da população, é de obscurecer o brilho e a importância da população MAIORITÁRIA negra deste país. No governo que está de saída, o esforço foi caprichado. Um deputado, como um manequim, funcionava para aliviar o caráter racista do presidente; outro trabalhava ativamente contra a cultura negra e seus maiores expoentes num órgão que deveria dar visibilidade àqueles que são o alicerce de nossa sociedade.

A invisibilização, contudo, faz-se também evidente nos governos locais, como se não houvesse prejuízos, “acidente de calendário”. É, sem dúvida, o aspecto mais cruel do racismo estrutural; é parecer que se trata de coisa à toa, exagero. O menino deus, desarabizado, embranquecido, não tem culpa de ser importante – mesmo sendo secundário ou terciário nas celebrações do Espírito de Natal propagandeado pela fábrica de refrigerantes de cola. Mesmo quando é fomentada por dinheiro mexicano, a natividade do louro menino Jesus precisa ter cara de um especial de TV estadunidense.

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É muito feliz que os esforços de um governo federal contra a população negra tenham sido interrompidos, mas, infelizmente, o mundo ocidental de uma maneira geral está longe da mesa de partilha como sugeria o reverendo Luther King Jr. A Hollywood minimamente desperta para o abuso de suas atrizes ainda se esforça para “vender” uma negritude aceitável, repetindo ainda velhos estereótipos.

Sem precisar fazer muito esforço, consegui que muitos dos meus heróis, minhas referências na vida, fossem negros – alguns deles, felizmente, vivos e muito ativos. Alguns – não posso ser grato o suficiente – são próximos, amigos queridos. Lamento por eles – e por tantos – que ainda tenhamos tanta luta pela frente. Que o poeta não se zangue pela liberdade que tomo na citação: “Fogo nos racista!”.