Nem o Mário acaba com essa seita de golpistas

É triste quando nem mesmo a força de um trocadilho infame pode salvar a nação.

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Tenho certeza de que não sou o único que anda pensando no conceito de seita nos últimos dias. Em parte, tenho feito isso por ter alguma esperança de que a doutrinação esteja perdendo o efeito, pelo menos, nos Estados Unidos. O Partido Republicano parece, finalmente, querer livrar-se do Agente Laranja que governou o país, depois dos resultados pífios que seus apoiados tiveram nas eleições desta terça-feira, 8 de novembro. O trumpismo esvaziou-se, afinal, apesar da insistência de alguns bravateiros. Mesmo o canal de propaganda, Fox News, sugeriu que seja hora de tratar o presidente anterior pelo que ele é realmente, um perdedor.

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O Brasil, em geral, demora 2 anos para entender mudanças desse tipo. Depois que os estadunidenses cometeram o erro de eleger um estuprador golpista, nós elegemos o nosso. Dois anos depois de Trump ser derrotado nas urnas, nós derrotamos o nosso fascista. Agora, talvez, caiba esperar esse “período de carência” para que o bolsonarismo perca fôlego finalmente. Em alguma medida, o processo parece ter começado, já que há alguns fanáticos já não reconhecem no miliciano a figura do líder. O movimento continua messiânico, mas agora espera-se um novo salvador, uma figura como o Gal. Benjamin Arrola.

É muito difícil lidar com uma seita como essa quando mesmo o humor da turma do fundão na 5ª série não parece funcionar. O fenômeno a que assistimos no país nem mesmo parece identificar o Mário ou a Dani. É tão dependente de suas fontes de informação que não se ilumina pelo Google para descobrir que Stephanie Germanota não é uma juíza internacional, mas uma estrela do pop. A desconexão do movimento é tão grave que ignoram não apenas os fatos, mas os cacófatos.

Tenho muita fé no humor. Sempre entendi que expor um pensamento ao seu rídiculo servia para amadurecê-lo – ou abandoná-lo. Foi assim, rindo do que pensávamos há 5 minutos, que chegamos até aqui. Não fosse a blasfêmia – meu passatempo favorito – nunca teríamos abandonado deuses antigos. Talvez estivéssemos por aí a sacrificar animais, humanos e outros, a divindades que não sabem lidar com uma piada.

O humor é uma ferramenta poderosa e passamos um bom tempo sem espaço para a sátira, definindo limites para o humor – o que dizer, sobre quem fazer piada, como dizer. Tenho a impressão de que o brasileiro leva-se mesmo muito a sério. Só isso explica por que um lutador em ciclo de treinamento acha tempo para exortar o general Arrola a aparecer. Faltou aquele pensamento maroto de quem responde “vou ver se eu tô bão mais tarde”. Para impor limites entendo que caiba esvaziar as plateias e não censurar o sátiro. É preciso que o próprio público o puna, como o juri num julgamento informal.

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Lembro que, em 2009, um grupo português de humor de que sou fã estreou na TV um programa curto chamado “Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios”. Falavam primeiro das eleições municipais (autárquicas) e depois da nacional. Numa edição, o então primeiro-ministro José Sócrates, de quem o quarteto tinha passado os últimos 5 anos a fazer troça, sentou na bancada para ser entrevistado por Ricardo Araújo Pereira. A mim, pobre brasileiro, o momento pareceu surreal. Em hipótese alguma, um mandatário brasileiro teria conversado com um humorista sobre a tragicomédia de seus governos. Essa sensação permanece em mim.

E, de fato, o humor parece ir falhando contra a seita de malucos, adoradores de Exército, camisas amarelas que ocupam estradas e portas de quarteis. É uma multidão de tiozões do pavê que não perceberam que a piada já venceu – e nunca teve tanta graça assim. É gente que se delicia com piadas sobre negros, homossexuais, estrangeiros, pessoas com deficiência, mas que não admitem a chacota que pode ser uma condenação em 2ª estância, de um juiz que vira capacho, suspeito de irregularidades na sua candidatura ao Senado. Hilário.

Ao contrário do que acreditava o general francês Charles de Gaulle, é capaz do Brasil ser é sério demais.

Esta é uma coluna de opinião e não reflete o posicionamento da i7 Network.