Ditadura militar: lágrimas e medo de um mundo louco

Coluna de opinião, terça-feira, 8 de novembro, por Luiz Henrique Cotta

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“Leiam sobre isso. Em toda fresta, todo canto, há livros pra ler”.

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É possível que eu comece aqui por soar tão conservador quanto os movimentos políticos atuais espalhados pelo mundo. Mesmo assim, não posso deixar de admirar que este seja um verso de uma canção popular dos anos 80. Não pretendo, de maneira nenhuma, “cagar regra” ou condenar valores alheios. Da mesma forma como gosto de ter aprendido com os Tears for Fears na minha adolescência, gosto de ver Anitta ganhando mundo e fazendo “o que dá na telha” de uma mulher independente, talentosa e bem-sucedida.

Contudo, sinto falta de algumas mensagens. Debatendo o primeiro texto desta coluna com uma amiga, concordamos que há certos conceitos básicos de civilidade que andam se perdendo no imediatismo das redes e do dissenso político. Acaba que, da mesma forma como as bandas antigas voltam para buscar públicos novos, a gente precisa fazer “revivals” do Artigo 1o da Constituição Federal do Brasil, por exemplo.

“Vovôs políticos com altos ideais que não têm ideia de como a maioria sente-se” continuam por aí distorcendo verdades e usando a máquina estatal para ganhos muito pessoais ou para objetivos míopes que não apenas não são inclusivos, como, antes, terminam por punir porcões imensas da população. Os republicanos estadunidenses, por exemplo, continuam defendendo que menos impostos aos ricos geram investimentos que respingam no povo na forma de empregos – o que nunca se verificou. “Sem amor e sem terra prometida, somos tolos diante das regras de um plano de governo”.

Um revival importante, que anda bastante requisitado, precisa ser logo derrubado: “todo mundo quer dominar o mundo”. É, na verdade, um conceito a ser lembrado para que seja logo abandonado. Nos protestos da última semana, em meio aos bloqueios de estradas e o uso de crianças como escudos humanos, manifestantes reagiram mal àquilo que tanto desejavam. Quando as polícias finalmente desceram o sarrafo nos aspirantes a terroristas, estes trataram logo de registrar em vídeo seu descontentamento com a intervenção militar. As forcas policiais hesitaram, mas finalmente apresentaram seus talentos a um público novo, que pouco conhecia seu trabalho.

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Os clamores pela volta da ditadura militar ignoram que, não obstante a corrupção acobertada pela forca, o regime tem agenda própria e é, a um só tempo, legislador, juiz e carrasco. Na democracia que parecem odiar, a violência de Estado tem recurso; é possível recorrer a instâncias incumbidas de proteger direitos, de organizar-se em função de demandas coletivas e comunitárias, de exigir, por forca de pressão popular, que seus representantes eleitos aprovem leis como a da Ficha Limpa. Longe de ser perfeita, nossa democracia permite balanco entre os excessos de quaisquer um dos Poderes – Executivo, Legislativo ou Judiciário. Sob a intervenção militar, tudo é risco e “mesmo quando você estiver dormindo, nós vamos te achar” – realidade que é bem conhecida pelas populações pobres, pretas e periféricas, infelizmente. Como manifesto na nota do Instituto Raízes de agosto de 2018, “nas favelas não há presunção de inocência. (…) Os blindados fecham o acesso às ruas e escolas, inibindo a circulação”. A nota também fala da execução de homens e mulheres negras sobre a qual a maior parte de nós não ouviu falar.

Pena-me associar Tears for Fears aos absurdos a que temos visto. No entanto, algumas das mensagens continuam muito atuais. Mesmo no pop do A-ha, há um verso que diz “perdoam tudo menos a grandeza. São tempos dos canalhas”, que tão bem faz referência ao presidente derrotado e seus defensores – ou qualquer líder de extrema direita no mundo e seu secto. Cabem sempre, contudo, como um lembrete, uma espécie de armadura. Protejamo-nos com toda boa mensagem e ensinamento que pudermos.

“Quando as pessoas correm em círculos, é um mundo muito, muito louco”. 


Esta é uma coluna de opinião e não reflete o posicionamento da i7 Network.