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No rescaldo das Eleições 2022, ainda senti que devia me afastar de algumas pessoas, não pelo voto que deram, mas pela maneira como defenderam os “ritos” pós-derrota e a própria figura de um líder diminuído, egoísta e, finalmente, reticente. A mera existência de uma opção ao odiado futuro presidente representa uma possibilidade de voto e, hoje, lido razoavelmente bem com o voto dado ao miliciano do Planalto.
Não entendo e, confesso, não admito, a defesa de uma figura que apequenou-se ainda mais diante da derrota no pleito. Não bastasse ter comprometido a confiança no processo eleitoral que o elegeu tantas vezes no passado – e mesmo seus asseclas na votação atual – o mandatário portou-se miseravelmente na derrota para o outro candidato. Na saída, sinalizou a validade da selvageria dos protestos e entregou, sem pudores, sua inclinação fascista mais uma vez, ao repetir o lema e sugerir que, agora sim, existe Direita no país.
“Deus, família, pátria, liberdade” não é apenas uma motivação aos convertidos, mas um modelo de discriminação. A mim, é possível pensar que, contra a dominação de um invasor que imponha novos deuses, que tome as mulheres e crianças, cerceie nossas liberdades e reduza nossos lares aos entulhos, o lema seja um grito de guerra razoavelmente aceitável, que traduz o que pretende-se resgatar. Em outro caso, especialmente quando parte de uma estrutura governamental nacional para os seus próprios compatriotas, as quatro palavras são um modelo para a discriminação e o ódio.
As liberdades sobre as quais discursou o presidente derrotado conflitam-se com a demonização de seus adversários políticos: defendo liberdade religiosa enquanto puder discriminar a comunidade lgbtqia+ e as religiões afro-brasileiras.
Patriotismo também tem muitas formas, quase nunca na forma de seus símbolos, mas de seus compatriotas. O padre Júlio Lancelotti, por exemplo, escolheu alimentar seus iguais. Há quem defenda os povos originários, os quilombolas. Patriotismo é a proteção das riquezas nacionais, erigida e salvaguardada por seus cidadãos. Se é a administração corrente que os aponta, como no discurso à moda Goebbels do pretenso secretário, patriotismo é uma arma.
O mesmo vale para o conceito de família. No Brasil, um imenso contingente de famílias constituem-se de uma mãe negra e pobre e seus filhos abandonados pelo pai. É, quiçá, nossa mais triste – e mais valorosa – tradição familiar. Negá-la é antipatriótico. Um governo para todos deve acolhe-la e garantir seus direitos. O mesmo vale para todas as demais. Dois homens que se amem – e paguem impostos – devem ter os mesmos direitos de todos, não importando a ninguém o que fazem em casa ou onde sintam-se seguros – que deveria ser em qualquer lugar.
Por fim, a laicidade do Estado. O conceito de deus, mesmo tomado apenas por aquele judaico- cristão, admite uma infinitude de interpretações. Um governo que abrace uma denominação ou corrente religiosa tende a cercear o direito aos demais cultos, tomando-os por impuros ou blasfemos. A liberdade de culto fica comprometida e, nem precisa dizer, a não-crença passa ao status de pecado-crime. Por pouco, o Estado que professa uma fé não determina uma “revolução cultural” nos moldes do islamismo iraniano, que ora executa as mulheres que se insurgem contra suas sanções desumanas.
No resultado das nossas eleições, escapamos fedendo da instauração de uma justiça como defende a Anajure e da ascensão de um governo autoritário que nos submete aos seus entendimentos de deus, família, pátria e liberdade. Defender esse governo que está aí de saída é exercício de ignorância ou maldade, cujas consequências podem muito bem voltarem-se contra os seus defensores.
Na coluna que estreio aqui, quero trazer conceitos básicos – e outros nem tanto – para me ajudar a pensar melhor sobre o vuco-vuco cotidiano em que vivemos. Esteja convidado.
*** Esta é uma coluna de opinião e não reflete o posicionamento da i7 Network.